Indiciamento de médica por morte de mãe e bebê expõe falhas no atendimento em maternidade de Palmas
Relatos de profissionais de saúde revelam falta de protocolos claros no atendimento de gestantes e questionam decisões médicas.

Yasmim Rodrigues/Bastidores do Tocantins
A Polícia Civil do Tocantins indiciou a médica Marcelle da Silva Costa por homicídio culposo pelas mortes de Karle Cristina Vieira Bassorici e seu bebê, ocorridas em outubro deste ano no Hospital e Maternidade Dona Regina, em Palmas. A profissional, que atua como clínica geral, afirmou em depoimento que mudanças no fluxo de atendimento da unidade deixaram os clínicos sem orientações precisas sobre quando acionar obstetras para acompanhamento de gestantes.
Com o fim do sigilo do inquérito, o Bastidores do Tocantins teve acesso aos depoimentos prestados pela médica e outros profissionais envolvidos no caso. Marcelle negou negligência, justificando que suas decisões foram tomadas com base nos sintomas apresentados pela paciente, mas reconheceu que a abordagem médica poderia ter sido diferente se um obstetra tivesse sido consultado.
A Secretaria de Estado da Saúde (SES) informou que o hospital opera com equipes completas, incluindo obstetras em regime de plantão, e orientou que, em casos de dúvidas, os clínicos gerais devem realizar avaliações conjuntas com esses especialistas.
Atendimento e relato dos fatos
Karle foi atendida inicialmente no dia 29 de outubro, quando relatou febre alta, dores lombares leves, congestão nasal e dificuldade para urinar. Marcelle diagnosticou sintomas gripais e prescreveu antibióticos, antitérmicos e antialérgicos, mas não solicitou exames para avaliar o estado do bebê, mesmo sabendo que a paciente era considerada de alto risco devido à diabetes gestacional. Segundo a médica, Karle não apresentava sinais obstétricos graves, como sangramento ou ausência de movimentos fetais, o que, para ela, justificou a não consulta a um obstetra.

No dia seguinte, Karle retornou ao hospital com dor abdominal intensa e sofrimento fetal – identificado por batimentos cardíacos baixos do bebê e sinais de descolamento parcial da placenta. Apesar de uma cesariana de emergência ter sido realizada, o bebê já havia falecido. Horas depois, Karle também não resistiu.
Críticas de outros profissionais
Médicos que participaram do atendimento no dia 30 destacaram em depoimento falhas na conduta de Marcelle no dia anterior. Um deles afirmou que a dificuldade da paciente em urinar deveria ter levado à realização de exames básicos para descartar infecção urinária, que poderia ser um sinal de complicações mais graves.
Outro profissional reforçou que, embora não seja possível garantir que a intervenção precoce teria evitado a morte da mãe, exames detalhados poderiam ter aumentado as chances de salvar o bebê. Ele também pontuou que, em um hospital de referência como o Dona Regina, é essencial que gestantes sejam avaliadas por obstetras antes da alta.
Uma médica que acompanhou a cesariana destacou que o sofrimento fetal era evidente, mas lamentou a falta de exames no atendimento inicial, o que teria possibilitado o diagnóstico precoce de complicações.
Investigação e contexto
A Polícia Civil concluiu que houve negligência por parte da médica Marcelle da Silva Costa no primeiro atendimento. O indiciamento, formalizado em 20 de novembro, atribui a ela a responsabilidade pelas mortes de Karle e do bebê, sustentando que falhas graves, como ausência de exames e observação, comprometeram a condução do caso.
O caso trouxe à tona a necessidade de revisão nos protocolos de atendimento a gestantes e o papel dos clínicos gerais em unidades de referência, especialmente diante de mudanças estruturais e operacionais.